quinta-feira, 16 de maio de 2013

Um dia vamos sentir falta de tudo aquilo que não precisamos


Um dia vamos sentir falta de tudo aquilo que não precisamos

(este texto, em forma de balanço, em forma de desabafo também, resultou de uma conversa promovida pela Terceira Pessoa, no âmbito do projeto Hey You. A conversa, intitulada Serviço Público, teve lugar no Cine-Teatro Avenida no passado dia 4 de Maio de 2013 e girou em torno do Teatro e Literatura.)

primeira impressão:

Cada vez que falamos de Arte, colocamos em causa a sua (in)validade nas nossas vidas. Quando nos referimos a “Arte”, falamos daquele território abstrato e desconhecido que se procura para – quem sabe um dia, como que por uma catástrofe – ser encontrado. Como numa relação amorosa, o objeto artístico propõe-se a seduzir o seu interlocutor, arriscando-se à rejeição.

balanço sobre a primeira impressão:

Desde o início de 2012, a Terceira Pessoa tem desenvolvido em Castelo Branco, um trabalho de aproximação (ou devemos dizer sedução?) da comunidade a processos contemporâneos de criação teatral e artística.
Em 2012 desenvolvemos o projeto Kurt Cobain, que envolveu um grupo de jovens dos 13 aos 18 anos de Castelo Branco na criação de um espetáculo-manifesto, a partir da figura do músico que deu nome ao projeto. Propondo a continuação do trabalho iniciado em Kurt Cobain, em 2013 estamos a desenvolver o projeto Hey You, que atualmente envolve um grupo de 40 pessoas de todas as idades na criação de um espetáculo-revolução. Neste espetáculo propõe-se o teatro enquanto acontecimento, refletindo-se sobre a intimidade do espaço público e, simultaneamente, sobre a potência do ato performativo enquanto momento único, irrepetível e capaz de criar espaços de confronto com a realidade.
No passado dia 4 de Maio apresentámos Serviço Público, uma iniciativa de conversas em torno da arte e do teatro, que aconteceu no âmbito do projeto Hey You (mas que pretendemos prolongar para além dele). Nesta conversa vários espetadores (participantes e não-participantes de Hey You) frisaram a importância deste tipo de experiências nas suas vidas, bem como nas vidas das comunidades (mais especificamente, neste caso, da comunidade albicastrense). E foi nesse momento, altamente compensatório, que pudemos recolher uma prova de que as nossas propostas encontram ecos nos outros. A satisfação que sentimos prende-se fundamentalmente com  duas razões: a primeira está relacionada com o tom íntimo e pessoal com que as pessoas se manifestaram em relação a este trabalho (e, por experiência própria, é este tipo de manifestação que leva à criação de ligações significativas entre o espetador e o objeto artístico). A segunda razão é consequência da primeira, reforçando-a ainda: é que, mesmo quando as pessoas foram desafiadas a desacreditar no valor destes projetos ou acontecimentos (o nome aqui pouco importa), não abriram mão da sua convicção primeira, defendendo-a com argumentos de excelência. Chamamos-lhes “de excelência”, pois neles esteve sempre implícita a especificidade que diferencia a arte do entretenimento, o ócio do lazer*, colocando o projeto da Terceira Pessoa no primeiro campo e, consequentemente, anulando critérios quantitativos ou resultados de sucesso imediato como formas de (in)validação das experiências propostas no projeto Hey You. Este lugar particular onde o nosso trabalho foi colocado permitiu-nos aferir que estamos a comunicar e, nem que seja por um número reduzido de pessoas, está a valer a pena o esforço que todos os dias empreendemos para fazer muito com pouco, para construirmos experiências significativas de subjetivação ao invés de momentos de alienação do sujeito, para nos recusarmos a aceitar o tão aclamado “triste panorama cultural” como uma evidência.
De facto, nem todos podem ser público, mas parece-nos evidente e fundamental a criação e valorização de oportunidades que nos possibilitem a chance de nos tornarmos público. É que isto de ser público treina-se e, para que isso possa acontecer, é indispensável a existência de oportunidades de exercício da nossa condição de espetadores.
O caminho é longo, é certo, mas faz-se. Não se vai fazendo, faz-se. E o tempo é agora.  Longo é o caminho que vai dar a lugar algum, mas por algum lado ele tem de começar. Longo é o caminho que vai dar a lugar algum, mas é nele que vamos construindo a nossa história, a nossa cultura. E como dizia um espetador no último Serviço Público (e pedimos desculpa se, de alguma forma, traímos as suas palavras):
“Se um dia afundarmos completamente nesta história de repetições de “downsizings” e “espirais recessivas”, o que nos resta?”
O nosso muito obrigado à Elsa Ligeiro, por contagiar o percurso feito em Hey You com a sua presença sempre sensível, exigente e dedicada. O nosso muito obrigado também a todos aqueles que partilharam esta experiência única e irrepetível connosco. Decerto nos voltaremos a encontrar pois, pela parte que nos toca, sabemos que o caminho é longo (por vezes ardiloso até), mas estamos dispostos a atravessá-lo.

*Aqui deve entender-se ócio enquanto tempo e espaço de liberdade e de criação, por oposição a lazer enquanto tempo depois do trabalho, o geralmente chamado “tempo livre”.

Ana Gil & Nuno Leão
(diretores artísticos da Terceira Pessoa – Associação) 

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