Um dia vamos sentir falta de tudo aquilo que não precisamos
(este
texto, em forma de balanço, em forma de desabafo também, resultou de uma
conversa promovida pela Terceira Pessoa, no âmbito do projeto Hey You. A conversa, intitulada Serviço Público, teve lugar no
Cine-Teatro Avenida no passado dia 4 de Maio de 2013 e girou em torno do Teatro
e Literatura.)
primeira impressão:
Cada vez que falamos de Arte, colocamos em causa a sua
(in)validade nas nossas vidas. Quando nos referimos a “Arte”, falamos daquele
território abstrato e desconhecido que se procura para – quem sabe um dia, como
que por uma catástrofe – ser encontrado. Como numa relação amorosa, o objeto
artístico propõe-se a seduzir o seu interlocutor, arriscando-se à rejeição.
balanço sobre a primeira impressão:
Desde o início de 2012, a Terceira Pessoa tem desenvolvido em
Castelo Branco, um trabalho de aproximação (ou devemos dizer sedução?) da
comunidade a processos contemporâneos de criação teatral e artística.
Em 2012 desenvolvemos o projeto Kurt Cobain, que envolveu um grupo de jovens dos 13 aos 18 anos de
Castelo Branco na criação de um espetáculo-manifesto,
a partir da figura do músico que deu nome ao projeto. Propondo a continuação do
trabalho iniciado em Kurt Cobain, em
2013 estamos a desenvolver o projeto Hey
You, que atualmente envolve um grupo de 40 pessoas de todas as idades na
criação de um espetáculo-revolução.
Neste espetáculo propõe-se o teatro enquanto acontecimento, refletindo-se sobre
a intimidade do espaço público e, simultaneamente, sobre a potência do ato
performativo enquanto momento único, irrepetível e capaz de criar espaços de confronto
com a realidade.
No passado dia 4 de Maio apresentámos Serviço Público, uma iniciativa de conversas em torno da arte e do
teatro, que aconteceu no âmbito do projeto Hey
You (mas que pretendemos prolongar para além dele). Nesta conversa vários
espetadores (participantes e não-participantes de Hey You) frisaram a importância deste tipo de experiências nas suas
vidas, bem como nas vidas das comunidades (mais especificamente, neste caso, da
comunidade albicastrense). E foi nesse momento, altamente compensatório, que
pudemos recolher uma prova de que as nossas propostas encontram ecos nos
outros. A satisfação que sentimos prende-se fundamentalmente com duas razões: a primeira está relacionada com
o tom íntimo e pessoal com que as pessoas se manifestaram em relação a este
trabalho (e, por experiência própria, é este tipo de manifestação que leva à
criação de ligações significativas entre o espetador e o objeto artístico). A
segunda razão é consequência da primeira, reforçando-a ainda: é que, mesmo
quando as pessoas foram desafiadas a desacreditar no valor destes projetos ou
acontecimentos (o nome aqui pouco importa), não abriram mão da sua convicção
primeira, defendendo-a com argumentos de excelência. Chamamos-lhes “de
excelência”, pois neles esteve sempre implícita a especificidade que diferencia
a arte do entretenimento, o ócio do lazer*, colocando o projeto da Terceira
Pessoa no primeiro campo e, consequentemente, anulando critérios quantitativos
ou resultados de sucesso imediato como formas de (in)validação das experiências
propostas no projeto Hey You. Este
lugar particular onde o nosso trabalho foi colocado permitiu-nos aferir que
estamos a comunicar e, nem que seja por um número reduzido de pessoas, está a
valer a pena o esforço que todos os dias empreendemos para fazer muito com
pouco, para construirmos experiências significativas de subjetivação ao invés
de momentos de alienação do sujeito, para nos recusarmos a aceitar o tão
aclamado “triste panorama cultural” como uma evidência.
De facto, nem todos podem ser público, mas parece-nos evidente
e fundamental a criação e valorização de oportunidades que nos possibilitem a
chance de nos tornarmos público. É que isto de ser público treina-se e, para
que isso possa acontecer, é indispensável a existência de oportunidades de
exercício da nossa condição de espetadores.
O caminho é longo, é certo, mas faz-se. Não se vai fazendo,
faz-se. E o tempo é agora. Longo é o
caminho que vai dar a lugar algum, mas por algum lado ele tem de começar. Longo
é o caminho que vai dar a lugar algum, mas é nele que vamos construindo a nossa
história, a nossa cultura. E como dizia um espetador no último Serviço Público (e pedimos desculpa se,
de alguma forma, traímos as suas palavras):
“Se um dia afundarmos completamente nesta história de
repetições de “downsizings” e “espirais recessivas”, o que nos resta?”
O nosso muito obrigado à Elsa Ligeiro, por contagiar o
percurso feito em Hey You com a sua
presença sempre sensível, exigente e dedicada. O nosso muito obrigado também a
todos aqueles que partilharam esta experiência única e irrepetível connosco.
Decerto nos voltaremos a encontrar pois, pela parte que nos toca, sabemos que o
caminho é longo (por vezes ardiloso até), mas estamos dispostos a atravessá-lo.
*Aqui
deve entender-se ócio enquanto tempo
e espaço de liberdade e de criação, por oposição a lazer enquanto tempo depois do trabalho, o geralmente chamado
“tempo livre”.
Ana
Gil & Nuno Leão
(diretores
artísticos da Terceira Pessoa – Associação)
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